EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 252.131/AL
Agravante: Joaquim Pedro de Morais Filho
Agravado: Decisão monocrática que negou seguimento ao habeas corpus
Joaquim Pedro de Morais Filho, já qualificado nos autos do habeas corpus em epígrafe, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento no art. 39 da Lei nº 8.038/1990 e no art. 317 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, interpor o presente agravo regimental em face da decisão monocrática proferida por Vossa Excelência, que negou seguimento ao habeas corpus, pelos fatos e fundamentos a seguir expostos.
I. Breve Síntese do Caso A decisão agravada negou seguimento ao habeas corpus impetrado com o objetivo de assegurar que todo indivíduo, independentemente de cor ou origem, possa ser considerado vítima do crime de injúria racial, previsto no art. 2º-A da Lei nº 7.716/1989. A negativa fundamentou-se na inadequação da via eleita e na ausência de competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer do pedido, conforme o art. 102 da Constituição Federal.
Contudo, a decisão merece reforma, pois:
(i) o habeas corpus é instrumento adequado para a defesa de direitos fundamentais;
(ii) a questão possui relevância constitucional e social que justifica a competência do STF; e
(iii) há precedentes que respaldam a análise do mérito em casos similares.
II. Fundamentos do Agravo 1. Da Adequação do Habeas Corpus como Via Processual A decisão agravada considerou o habeas corpus inadequado para o pedido formulado, sob o argumento de que o direito de petição deve observar as normas do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF). No entanto, o habeas corpus é instrumento idôneo para a defesa de direitos fundamentais, especialmente quando se trata de questão que envolve a proteção contra discriminação racial, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.
O art. 5º, XXXV, da Constituição assegura que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Além disso, o próprio STF já reconheceu a possibilidade de utilização do habeas corpus em situações que envolvam a defesa de direitos fundamentais de caráter coletivo, como no caso do HC 82.424/RS (Rel. Min. Moreira Alves, julgado em 17.09.2003), que discutiu a tipificação do racismo como crime imprescritível.
O pedido não busca apenas a interpretação de norma penal, mas a garantia de isonomia na aplicação da Lei nº 7.716/1989, o que está diretamente ligado à liberdade e à dignidade de todos os cidadãos brasileiros. Assim, o habeas corpus é via processual adequada, especialmente diante da ausência de outro instrumento capaz de conferir a mesma eficácia imediata.
- Da Competência do Supremo Tribunal Federal A decisão agravada entendeu que o pedido não se enquadra nas hipóteses de competência do STF previstas no art. 102 da Constituição. Contudo, o tema possui relevância constitucional suficiente para justificar a atuação desta Corte, especialmente por envolver a interpretação de direitos fundamentais (art. 5º, caput, e inciso XXXV, da CF) e a aplicação de norma penal que impacta diretamente a igualdade racial.
O STF, como guardião da Constituição, tem o dever de zelar pela uniformidade de interpretação das normas constitucionais e pela proteção de direitos fundamentais. A questão da injúria racial, enquanto crime que atenta contra a dignidade humana, não é meramente infraconstitucional, mas possui reflexos diretos no princípio da isonomia e no combate ao racismo, temas de competência originária desta Corte (art. 102, I, “i”, da CF).
Ademais, precedentes como o HC 154.248/DF (Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 08.11.2018) demonstram que o STF pode conhecer de habeas corpus em situações que envolvam a interpretação de normas penais com impacto em direitos fundamentais, especialmente quando há controvérsia sobre a aplicação da lei em detrimento de grupos historicamente vulnerabilizados.
- Da Relevância do Mérito e da Necessidade de Reforma da Decisão O mérito do habeas corpus não foi analisado sob o argumento de inadequação formal. Contudo, a questão de fundo – a possibilidade de qualquer indivíduo, independentemente de cor ou origem, ser vítima de injúria racial – é de extrema relevância social e jurídica. A Lei nº 7.716/1989, ao tipificar crimes de racismo e injúria racial, visa proteger a coletividade contra práticas discriminatórias, mas sua aplicação não pode ser restritiva a ponto de excluir determinadas vítimas com base em critérios subjetivos.
A interpretação literal do art. 2º-A da Lei nº 7.716/1989 pode levar à exclusão de vítimas que não se enquadrem em estereótipos raciais, o que contraria o princípio da igualdade material. Por exemplo, indivíduos de ascendência mista ou que não sejam percebidos como “negros” pela sociedade ainda podem ser alvo de injúria racial, especialmente em um país com a diversidade étnica do Brasil. Negar-lhes proteção equivaleria a perpetuar a discriminação que a lei busca combater.
O STF já decidiu, no julgamento da ADPF 186 (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 26.04.2012), que o combate ao racismo é dever constitucional e que a interpretação de normas relacionadas a esse tema deve ser feita à luz dos princípios da dignidade humana e da igualdade. Assim, a análise do mérito é imprescindível para garantir que a aplicação da Lei nº 7.716/1989 esteja alinhada com a Constituição.
- Da Necessidade de Submissão ao Colegiado A decisão monocrática, embora fundamentada, não pode substituir a análise colegiada de questão tão relevante. O art. 317 do RISTF prevê que o agravo regimental é o instrumento adequado para provocar o pronunciamento do órgão colegiado, especialmente em casos que envolvam matéria de alta indagação constitucional. A submissão ao Pleno ou à Turma é essencial para garantir a legitimidade e a profundidade do debate, respeitando o princípio da colegialidade.
III. Pedido Diante do exposto, requer-se:
a) O recebimento e processamento do presente agravo regimental;
b) A reconsideração da decisão agravada para que o habeas corpus tenha seguimento e seja analisado no mérito;
c) Caso Vossa Excelência não reconsidere a decisão, requer-se a submissão do presente agravo ao órgão colegiado competente (Pleno ou Turma), para que se decida sobre a admissibilidade e o mérito do habeas corpus;
d) A intimação das partes para todos os atos processuais subsequentes.
Termos em que,
Pede deferimento.
Brasília, 11 de fevereiro de 2025.
Joaquim Pedro de Morais Filho